W.G.Sutherland, o fundador da osteopatia craniosacral.


W.G.Sutherland, o fundador da osteopatia craniosacral.

Texto de P.Tricot, Osteopata D.O. MRO (F) 

A.T. Still (1828-1917) foi quem estabeleceu os fundamentos da osteopatia e descreveu os primeiros passos dessa extraordinária medicina para o tratamento dos pacientes. Agora vamos contar a também extraordinária história de W.G. Sutherland (1873-1954), que descobriu e desenvolveu a terapia craniosacral.

Uma criança e um jovem homem como os outros

Segundo filho de uma família de três crianças, Will Sutherland nasce no dia 27 de março de 1873 no Minesota (middle west americano).

Da história de sua infância e juventude não se conhece nenhum fato surpreendente, tendo sido uma criança normal dentro de uma família equilibrada, cujo pai era ferreiro e fazendeiro.

Para ajudar financeiramente a família, Will tornou-se aprendiz no jornal local da cidade de Blunt, “The Blunt Avocate”, tendo sido o jornalismo o seu primeiro universo profissional. Trabalha assim até 1898, com uma interrupção de dois anos para obter o diploma universitário.

A descoberta da osteopatia

No ano 1897, trabalhando para O Dayly Herald em Austin, Minesota, Sutherland ouviu pela primeira vez alguém falar sobre Osteopatia. Um amigo seu, Hershel Conner, fez um comentário elogioso a respeito do Dr. Still e de sua prática terapêutica. Nessa época a osteopatia estava ainda no início e não era  reconhecida pelo sistema oficial de saúde, embora a criação do primeiro colégio ( faculdade )  em Kirksville, Missouri, tenha sido no ano de 1892.
Interessado nos comentários e conselhos do seu amigo, ele acabou por descobrir mais sobre a Osteopatia numa conferência de dois osteopatas, Edward C. Pickler e Charles Still, este último, filho do fundador e teorizador do método.

Sutherland ficou muito impressionado com o conteúdo da conferência e a qualidade dos oradores, o que contrastava, e muito, com os comentários hostis e que sem nenhum fundamento científico, já se ouvia a respeito da Osteopatia.

O grande mergulho

Cada vez mais interessado e apoiado por seu amigo Conner, que também era estudante do curso de Osteopatia, Sutherland decide passar alguns dias no colégio de Kirksville como observador, ficando entusiasmado e muito interessado com o que vê.

Entretanto havia a se resolver de imediato sua situação profissional. Sair de uma situação já estabilizada e reconhecida para mergulhar em uma profissão desconhecida, controversa e sem rendimento seria uma grande aventura. Ele conversa com outros estudantes, e fica sabendo que muitos deles também abandonaram uma boa profissão para voltar à escola e explorar este novo,  impressionante, e por que não dizer,  promissor universo.

Em agosto de 1898, ele se decide e vai estudar Osteopatia no colégio de Kirsville, e dois anos depois (era o tempo de duração do curso), no dia 28 de junho de 1900, ele recebe o diploma de osteopata das mãos de A.T. Still.

A louca intuição

Em sua biografia, escrita alguns anos depois, sua esposa,  Adah Strand-Sutherland, fala que ainda  estudante ele teve uma intuição, ponto de partida de todas  as pesquisas e descobertas que faria futuramente.

Todas as manhãs para ir à sala de aula, ele atravessava  corredores onde eram expostas mostras anatômicas, sendo sua atenção atraída por um crânio,  que lhe pareceu particularmente interessante.

Ele diz mais tarde:  “Contemplando os ossos do crânio eu fiquei atento para os biséis das superfícies articulares do temporal, de repente eu pensei que essas superfícies, como os ouvidos dos peixes,  poderia ter um mecanismo respiratório”.

Ele fala também mais tarde que essa idéia de mobilidade dos ossos do crânio parece-lhe louca naquele momento e queria tirá-la da sua cabeça,  mas não conseguiu.

A estréia profissional

Durante o período 1900-1920, Sutherland abre um consultório em Mankato, pequena cidade perto de Mapleton, onde experimenta um rápido sucesso social e profissional passando a ser o presidente da Associação Profissional dos Osteopatas do Minnesota e delegado do Minnesota na Associação Osteopática Americana.

É também nesse período, que ele começa a escrever artigos dirigidos aos profissionais da área, sendo também convidado pela imprensa de Mankato para discussões educativas sobre a saúde e que foram publicados por vários jornais, além do próprio “Mineapolis Journal” . Em 1905 ele se casa e em 1907 nasce sua filha, Alice. Esse primeiro casamento acabaria  em 1920.

As primeiras pesquisas

Apesar de seu sucesso, a idéia do movimento dos ossos craniais ainda permanecia viva em sua mente, fazendo-o pesquisar sistematicamente o assunto. Assim, segundo descreve sua esposa, ele começa a estudar minuciosamente os diferentes ossos do crânio, observando os diferentes arranjos mecânicos, mostrando disposições para o movimento, percebendo que mesmo uma pessoa sem o senso da mecânica, deduziria a grande variedade de movimentos decorrente de tais arranjos.

As primeiras descobertas interessantes vão motivá-lo levando-o a perguntar-se: “E se esses mecanismos não indicarem simplesmente disposições para o movimento craniano, mas sim participarem ativamente de um movimento que realmente ocorra, como eu poderia provar ou refutar isso?”

Assim foi que os dados anatômicos conhecidos, que até então não tinham grande importância, tomaram a partir do estabelecimento da idéia de movimento um novo sentido.Pensava ele: “Os ossos da base do crânio são de origem cartilaginosa e os ossos da abóbada são de origem membranosa. Isso pressupõe  uma disposição para a flexibilidade, e se existe uma mobilidade articular na base do crânio, ela deve  ser compensada de uma maneira ou outra. Os ossos da abóbada podem oferecer essa compensação, pois sendo eles membranosos, o resultado disso pode ser a flexibilidade”

A lógica do seu raciocínio revelava-se assim mecanicamente fundada e o Dr. Sutherland iria, com esse raciocínio, contradizer a afirmação de que a ossificação das suturas cranianas se fazia de maneira contínua e progressiva a partir dos quarenta até oitenta anos. Ele faz essa comparação: “O tronco do carvalho mais poderoso conserva certo grau de flexibilidade até o momento em que ele vire lenha sem seiva. Poderemos dizer a mesma coisa da flexibilidade do crânio desde que a vida ainda esteja presente.” Nosso hábito de ver e estudar os ossos secos de laboratório nos faz esquecer que o osso vivo, mesmo o mais sólido, tem uma flexibilidade.

Continuando as suas pesquisas

Mais tarde, ele achará o mecanismo dentro do crânio que parece controlar o movimento e a flexibilidade dos ossos. Esse mecanismo vai além do crânio, pois que ele gera, por intermediar um componente das meninges, a dura-máter, um laço mecânico direto entre o crânio e o sacro. Sutherland chama esse laço mecânico de Membrana de Tensão Recíproca (MTR).Para explicar seu papel, ele assim descreve: “Visualize dois pólos distantes com um fio tensionado entre os dois em uma tensão constante. Um movimento de tração sobre um dos pólos ocasiona, através da tensão do fio, no outro pólo, um outro movimento de igual direção e com a mesma amplitude.”

Isso o autorizou a pensar em um tipo de unidade funcional formado pela MTR (o fio) ligada aos ossos (os pólos) que, através de sua tensão, guiasse e regularizasse a mobilidade involuntária articular dos ossos do crânio. Ela teria um papel também na flutuação rítmica do líquido céfaloraquidiano ( CR) e na drenagem venosa.

Sutherland vai pesquisar sobre seu próprio crânio. Com ajuda da sua mulher, ele vai fazer várias experimentações para perceber, ele mesmo, os movimentos do sistema ósseo. Mais tarde, quando as pesquisas já estavam mais avançadas, ele irá criar lesões mecânicas do mecanismo craniano sobre seu próprio crânio. Para isso, ele vai utilizar e adaptar vários e diversos instrumentos (capacete, luvas de baseball, laços de couro, vaso de madeira, argolas etc.) para chegar ao seu objetivo.

Essas experiências não foram fáceis porque iriam produzir lesões em seu próprio crânio, algumas vezes violentas, provocando alterações significativas no mecanismo do movimento cranial.

Sua esposa relata: “Certa vez, após uma forte lesão auto induzida, Will não foi o mesmo em vários sentidos, ele estava extremamente nervoso, tenso e facilmente irritável. Isso contrastando muito com o seu caráter, normalmente calmo e equilibrado. Sua cor mudava, algumas vezes pálido com expressão facial modificada. Como ele queria analisar as reações e os efeitos, sem se precipitar, ele não corrigiu a lesão imediatamente”.

Foi assim que ele experimentou e entendeu como podem repercutir no organismo as anomalias mecânicas cranianas adquiridas depois de um traumatismo, mesmo sem gravidade e muitas vezes esquecido até para o próprio paciente. O bom conhecimento que tinha dos mecanismos anatômicos fez com que ele começasse a entender como corrigir as lesões, elaborando com isso a maioria das técnicas de correção ainda em uso nos dias de hoje. 

Os primeiros testes

As pesquisas e descobertas foram se fazendo no decorrer dos anos. Sutherland continuou seu trabalho de Osteopatia clássica. Pouco a pouco ele percebe que o estudo e a experimentação clínica devem ser superados.

Ele vai testar essas técnicas em primeiro lugar com sua família. Os resultados são animadores e ele decide então iniciar a aplicação desse tratamento com pacientes. Demonstrou a um número limitado de pacientes a teoria e as conclusões dele sobre o assunto. Depois de explicar que os procedimentos utilizados estavam em fase experimental, ele os aplicou no tratamento de alguns pacientes, experimentando resultados favoráveis em vários casos de sinusite e cefaléias.

O ceticismo profissional

Os resultados eram cada vez favoráveis e sua fama crescia rapidamente com os pacientes. Ele começa a descobrir cada vez mais problemas na mecânica craniana com consequências muitas vezes inimagináveis e acha que tem necessidade de mostrar essa nova abordagem na sua profissão, pensando em  formar práticos nessa nova técnica.

É só em 1929, que Sutherland decide divulgar suas descobertas e desde o início vai encontrar uma rejeição total frente aos seus colegas. A hipótese que por ser tão inovadora, era a princípio totalmente incompreensível, depois de certo tempo passou a suscitar hostilidade, quando alguns simpatizantes começam a divulgar a teoria. Mesmo com os resultados comprovados, ele foi acusado de não estabelecer seu trabalho em bases científicas.

Em 1931, publicou alguns artigos em revistas profissionais de menor importância e entre os anos de 1934 e 1939, Sutherland passa a publicar de uma maneira intermitente alguns artigos sobre o conceito craniano. Alguns profissionais iniciam também a divulgação dessas técnicas, mas Sutherland permanece insatisfeito, porque percebe dentro do conceito craniano uma coerência osteopática e não uma especialidade a parte. Ele decide então começar a ensinar.

Conceito craniano aplicado às crianças

Nesse período, ele continua as pesquisas e descobre o imenso benefício que pode trazer a aplicação dessa técnica para as crianças. O crânio infantil é muitas vezes agredido ou gravemente lesado no momento do parto e na primeira infância. Seu trabalho passa a ser então a fonte de uma aproximação nova e de muita eficácia no tratamento das crianças. Adah Sutherland escreve assim: “Não foi uma incursão menor que ele fez nesse assunto. Nele está incluída a compreensão das diversas influências sobre o crânio durante o desenvolvimento embriológico, a reavaliação dos esquemas do crescimento e o estudo das causas das anomalias. Isso inclui também um estudo interpretativo dos efeitos de modelagem a qual o crânio vai sendo submetido ao subir, em função da sua posição dentro da bacia maternal, ou durante o trabalho de parto”. Mais uma vez eram novas considerações de coisas já familiares e das conseqüências que poderiam advir dessa nova abordagem.

Para poder estudar mais profundamente os problemas clínicos das crianças e das soluções cranianas, ele vai solicitar vagas nos serviços pediátricos. “Isso permitiu fazer algumas consultas inesperadas com crianças em depressão profunda, espasticidade, hidrocefalia, paralisia cerebral, atraso mental. Em todos esses casos, o Dr. Sutherland fazia valer sua perspicácia diagnóstica e de volta recebia muitos dados clínicos de grande valor. Em muitos casos ele conseguiu  evitar a internação em instituição especializada graças aos resultados salutares obtidos com o tratamento osteopático“.

Em 1939, ele publicou um folheto, “a bola craniana”; era um pequeno texto, resumindo as noções essenciais da osteopatia craniana. A publicação do texto não encontrou quase nenhum sucesso. “Foi uma dor no coração. Esse esforço para mostrar aos outros de uma maneira simples custou muito caro e contribuiu para enfraquecer as finanças de Sutherland de uma maneira dramática, porém sem alterar sua fé que um dia eles acreditassem…um dia “.

Na década dos anos 40, ele teve várias oportunidades de convencer alguns profissionais. Essas conferências marcam o início da expansão do conceito craniano. A partir daí, Sutherland fica mais tempo a ensinar, mesmo assim, a osteopatia craniana ainda não era admitida nem praticada por todos os profissionais.

Os sucessos

A pesquisa continua e em 1945 é publicado o folheto “Compressão das partes condilares do occipital”, dirigido aos profissionais interessados.

Este é um testemunho de um osteopata utilizando a técnica craniana em uma criança: – “uma recém nascida de 4 meses tinha uma cabeça em forma de feijão, orelhas assimétricas e a cavidade orbital do olho esquerdo pequena impedindo a abertura completa do olho. Ela não podia virar a cabeça do lado esquerdo. Graças ao conhecimento da anatomia do crânio, dos mecanismos membranosos, das tensões restritivas e do desequilíbro decorrente das anomalias internas, o prático conseguiu tratá-la. Nove meses depois, as órbitas estavam equilibradas, as orelhas no mesmo nível, a testa girando normalmente a direita como a esquerda e os dois olhos se abrindo normalmente”.

Um caso assim pode parecer milagroso. Ele está no meio de muitos outros casos similares e que estão solidamente alicerçados em fundamentos e princípios científicos, e sobre a aplicação de técnicas harmoniosamente coordenadas.

Em 1946 é fundada a Associação de Osteopatia Craniana, filiada a Academia de Osteopatia Aplicada. Essa criação faz passar o conceito craniano ao domínio das técnicas osteopáticas reconhecidas. A partir daí, o ensino do conceito craniano e o desenvolvimento da pesquisa não vão parar mais.

Em 1951 um aluno do Dr. Sutherland , Dr. Harold Magoun publica: “ Osteopathy in the Cranial Field “ ( osteopatia no campo craniano).

Em 1953, o Dr. Sutherland cria uma fundação independente de todo organismo profissional que tem por objetivo continuar o trabalho de pesquisa, de ensino e de divulgação do conceito craniano em osteopatia, a The Sutherland Cranial Teaching Fondation (S.C.T.F.).

William Sutherland morre dia 23 de setembro 1954 com 82 anos, deixando o conceito que até hoje pode parecer revolucionário. Entretanto, sua aplicação cotidiana que se faz no mundo todo mostra a eficiência incontestável dessa técnica e a imensa contribuição que ela dá à osteopatia.

Apesar de todos esses sucessos, concluir que a Osteopatia craniana é um remédio milagroso seria mentiroso, mas ela expandiu e muito a prática da Osteopatia e estendeu ainda mais o caminho da sua eficiência.

Bibliografia

Adah Strand-Sutherland : With Thinking Fingers, publication of the Cranial Academie 1962

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